quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Por um mundo sem machismo, preconceito e homofobia


 
Escrevo este texto estarrecida por conta de um ato de violência, motivado por homofobia, que aconteceu na nossa cidade, afetando um casal de jovens e um amigo. Ou melhor, escrevo este texto, estarrecida por conta de um ato de violência gratuito, que aconteceu em nossa cidade, afetando a todos nós, gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e heterossexuais. Quer dizer que é aceitável que, ao andar pelas ruas, pessoas sejam agredidas apenas por sua orientação sexual? Ser gay é motivo para levar porrada? Para ter o braço quebrado em três partes, na Avenida 27 de Janeiro? O que tá pegando?

No Brasil, há que se assumir que temos uma grave situação de crimes contra homossexuais. Aqui e em outras partes do mundo a homofobia mata, a impunidade arremata. O que aconteceu em Jaguarão não foi um fato isolado. Também não foi o primeiro, mas queremos que seja o último.

Não pensem que esquecemos o caso da humilhação sofrida pelo Professor Everton Fêrrêr, na Universidade Federal do Pampa, em que três alunas se recusaram a tê-lo como paraninfo na formatura, por conta de sua identidade de gênero. A humilhação sofrida no ambiente de trabalho passou praticamente impune, trazendo feridas invisíveis aos olhos, mas não menos doloridas.

Segundo dados do Relatório sobre Violência Homofóbica no Brasil, em 2012, foram registradas pelo poder público 3.084 denúncias de 9.982 violações relacionadas à

população LGBT, envolvendo 4.851 vítimas e 4.784 suspeitos. Em setembro ocorreu o maior número de registros, 342 denúncias. Em relação a 2011 houve um aumento de 166,09% de denúncias e 46,6% de violações, quando foram notificadas 1.159 denúncias de 6.809 violações de direitos humanos contra LGBTs, envolvendo 1.713 vítimas e 2.275 suspeitos.

 

A violência envolve desde agressões físicas a ameaças, humilhações, discriminações, negligências, abusos sexuais, negação de direitos, entre outras situações.

 

Cabe reiterar que as estatísticas analisadas referem-se às violações denunciadas, não correspondendo à totalidade das violências ocorridas cotidianamente contra LGBTs, infelizmente muito mais numerosas do que aquelas que chegam ao conhecimento do poder público.

 

Por trás destes dados estão o sofrimento, a indignação e a revolta, mas principalmente a necessidade de se somar esforços para luta, que é diária e deve envolver a pressão nas ruas e também na política.

 

Está em jogo uma série de fatores: apesar de muitos avanços, o Estado comprometido ainda e engessado por valores e dogmas religiosos, a falta de Coordenadorias, Conselhos LGBT e planos de combate a homofobia nos governos estaduais e municipais, a dificuldade que ainda impera na educação para se compreender e tratar com naturalidade a nossa diversidade cultural e sexual.

 

Acontecerá uma marcha neste domingo (19), com concentração a partir das 17h, em frente ao Cine Regente, que pretende denunciar o preconceito e a homofobia na nossa cidade e dar um basta a violação dos direitos humanos que, ao assolar as chamadas minorias, afeta a sociedade de um modo geral. Devemos estar presentes, fortes e engajados para que a população LGBT tenha, de uma vez por todas, o respeito que merece. Todas e todos lá!!!

 Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 15/01/2014.
 
Fonte da imagem: www.dci.com.br
Protesto contra o Pastor Marco Feliciano na Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

 

Um 2014 sem Rede Globo!

 
Já faz certo tempo que deixei de assistir a Rede Globo. Foi uma das melhores coisas que fiz ultimamente. Não sei sequer os nomes das novelas das 6 e das 7 e das peripécias deste tal de Félix só ouço falar. A Rede Globo é um dos principais mecanismos de alienação no país e é destaque quando o assunto é a ditadura da mídia comercial. Trata os expectadores como consumidores e tenta vender, a todo instante, seus produtos e ideias. Come na mão de seus anunciantes. Em nada colabora para o nosso crescimento, autonomia, organização.
O programa Zorra Total é um dos piores que já vi. Vende corpos de mulheres seminuas, piadas de mau gosto, estereótipos da comunidade LGBT e tem um grande teor racista. Lembram a personagem Adelaide, interpretada pelo ator Rodrigo Santanna? Está sendo investigada pela 19ª Promotoria de Investigação Penal, no Rio de Janeiro, após diversas denúncias de cidadãos e ONGs à Ouvidoria Nacional da Igualdade Racial, órgão ligado à Presidência da República, que notificou a justiça sobre os “estereótipos racistas” da personagem.
A Sessão da Tarde passa um milhão de vezes os mesmos filmes, desde que eu era criança. Programação de qualidade voltada para o público infantil, inexiste. Passar o domingo sob a companhia do Faustão deve ser a pior programação para a tarde de um brasileiro. Passar o sábado, logo o sábado, com o Luciano Hulk então, acho que é ainda pior. Um circo de má qualidade, salvo raras exceções.
O jornalismo, por sua vez, é atividade das mais tendenciosas. Além da avalanche de notícias de violência e cenas de sangue (enquanto almoçamos e jantamos), é mestre em manipular as informações, editar e distorcer os dados do país. A emissora foi inaugurada em 1965, no período da ditadura militar, apoiou este regime. Hoje em dia continua a atuar firmemente no jogo de interesses, a favor dos poderosos e no controle políticos das informações.
Sim, tem lado, e nem precisamos dizer que lado é este.
Ao menos nesta primeira semana de janeiro uma boa notícia: no ano de 2013 a emissora teve uma das piores audiências de sua história. É, o império está ruindo, o povo não é bobo.  
Nos manifestos e nas ruas em todos os cantos país uma das principais reivindicações é a da democratização da comunicação. A cassação da concessão pública de uma empresa privada que tem uma longa lista de acusações de fraudes e sonegação. Que recebe bilhões através de repasses, em detrimento das Tv´s comunitárias e da mídia alternativa, que tem desempenhado um importante papel para a circulação de notícias e para que se conheçam diferentes versões dos fatos apresentados.
Precisamos ser mais ousados, desligar a televisão em horário nobre. Neste tempo, podemos ler um livro. Contar uma história para uma criança. Aprender alguma coisa nova. Quem sabe até sair por aí... Encontrar pessoas. Conversar. Podemos fazer o que der na cabeça, qualquer coisa será melhor.
Dizer que não estamos preocupados em comprar e consumir cada vez mais. Dizer não aos 16 milhões de comerciais que circulam por ano. Estamos cansados. Queremos programação de qualidade. Queremos, através das leis, a garantia de uma comunicação plural e democrática. Para começar o ano, queridos leitores, desejo o que poderia desejar de melhor para todos vocês: muita saúde e um 2014 sem Rede Globo!
 
Andréa Lima
Publicado orginalmente no Jornal Fronteira Meridional em 08/01/2014.
Fonte da imagem: natransversaldotempo.wordpress.com

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Temos direito a moradia digna


Aproxima-se o fim do ano e mais um reajuste no aluguel me fez eleger como tema desta semana a questão do direito à moradia, reconhecido em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se “um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas”.

Também está previsto na constituição do Brasil e envolve, além de um teto e quatro paredes, a disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos.

Moro em uma casa simples, com cinco cômodos, cujo aluguel se vai aos quase R$ 500. Há pouco tempo atrás, uma casa deste porte em nossa cidade seria avaliada em uma média de R$ 300, R$ 350 reais.  Não estou aqui simplesmente me queixando do que considero um valor abusivo, mas compartilhando com vocês, leitores, um pouco da sensação que tenho quando o assunto é o acesso a um lar. Hoje em dia, quando folheio os jornais e vejo os preços apontados pelas imobiliárias, vejo que está realmente difícil adquirir um terreno ou uma casinha na nossa fronteira, com preços justos. Os aluguéis das casas centrais chegam a R$ 600, R$700 e já vi chegarem a R$ 1000, R$1500. 

As casas nos bairros não ficam atrás, também estão caras e muitas vezes são precárias. Terrenos disponíveis, já são poucos.

Os estudantes da Unipampa, vindos de fora, também são vítimas deste processo. Já vi muitos desistirem, por conta da falta de políticas de assistência estudantil. Finalmente, para estes, uma boa notícia: a construção da Casa do estudante já foi licitada pela Universidade e as obras devem começar no início de 2014. Foi uma conquista a base de muita luta e mobilização do movimento estudantil.

Temos diante dos olhos um difícil jogo gerado pela valorização da nossa cidade, fruto do alinhamento das políticas públicas em diversas esferas, o que é positivo, e, por outro lado, uma procura por imóveis maior do que a oferta. Falamos de Leis de Mercado. Com a pouca disponibilidade de imóveis para a locação, vemos uma alta significativa nos preços e a impossibilidade de pessoas, de menor poder aquisitivo, e portanto mais necessitadas, de acessar. E isso que as políticas públicas para a moradia são um marco da atual gestão. Já foram entregues, pelo Programa Minha Casa Minha Vida, 60 casas no Bairro Carvalho e outras 50 estão em construção no Indianópolis. Este programa no cenário do país já mudou a vida de milhares e milhares de famílias, que conquistaram o sonho de ter uma casa própria.

Ainda assim, os conflitos envolvendo a questão da moradia se alastram e são corriqueiros. Quem não lembra o caso da Vila Mayer, em que mais de cem famílias foram ameaçadas de despejo de suas casas, por conta da requisição da área por seus herdeiros? Este teria sido um dos piores episódios da nossa história, não fosse a celebração de um contrato, às pressas, entre a Prefeitura Municipal e os beneficiários, que reverteu a ação.  No mais, às disputas urbanas se somam a luta de todos os trabalhadores do campo, indígenas e comunidades quilombolas, de uma grandeza e força que jamais caberiam neste artigo.

O Movimento Nacional de Luta pela Moradia já chegou a nossa cidade. Está organizando as famílias e os trabalhadores em diversos bairros para que compreendam que moradia digna não é favor, é um direito social básico dos cidadãos.

Precisamos de reformas, de reformas urgentes: urbana, agrária, do pensamento.

Precisamos, todos e todas, ser mais radicais na luta contra a pobreza neste país.
 
Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 18/12/2013.

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mandela e a luta de um povo

 

 
Madiba nos deixou. Na última quinta-feira, 05 de dezembro, do alto de seus 95 anos.
Estava em casa, com seus familiares, desde princípios de setembro, depois de longos três meses de hospitalização, em que lutou contra complicações pulmonares.

Mais do que belas palavras, fica o exemplo de sua trajetória. Toda uma vida de militância por uma sociedade justa, livre e alicerçada nos direitos humanos, no enfrentamento ao racismo e a discriminação. Não, não era o líder pacifista que a mídia conservadora e a direita ocidental ajudaram a construir e se obrigaram a aceitar. Era rebelde, não se curvava e estava disposto a morrer pelas causas que defendia.
Aos sete anos de idade começou a estudar, foi o primeiro membro de sua família a ingressar na escola. No decorrer do ensino superior, ao cursar Direito, se envolveu com o movimento estudantil.  Já na juventude liderou a oposição ao regime de segregação conhecido como Apartheide, que durante décadas imperou na África do Sul e negou aos negros, mestiços e asiáticos direitos sociais, políticos e econômicos. Eram governados e submetidos aos valores de uma minoria branca.

Por suas bandeiras e pela dignidade de seu povo, uniu-se ao Congresso Nacional Africano (CNA), onde fundou uma liga jovem, e intensificou as ações junto aos companheiros militantes que, como ele, não fugiram a luta. Assim como Che Guevara endureceu. Entrou para a luta armada, mas não perdeu a ternura jamais.
Na década de 1960, opor-se ao regime predominante poderia significar a morte. A polícia sul-africana, no conhecido massacre de Shaperville, matara 69 jovens negros e ferira quase 200. Mandela não se calou. Ao contrário, fortaleceu o movimento.

Em 1962, denunciado pela CIA, foi sentenciado a cinco anos de prisão por viajar ilegalmente ao exterior e incentivar greves.
Em 1964 foi condenado a prisão perpétua por sabotagem ao governo e ações da luta armada.

Ficou preso por 27 anos e passou a simbolizar, internacionalmente, as lutas antiapartheid.
Quando libertado em 1990, por conta de uma grande pressão social, um mar de pessoas o aguardava nas ruas. Estava com 72 anos. Chegou a presidência da África do Sul em 1994 e comandou a transição do regime racista, buscando a igualdade e a unificação do país. Mas não, não foi só isso. Sua luta foi complexa, de classes, contra os domínios do Imperialismo. Cabe lembrar que até o ano de 2008 seu nome constou na lista norte-americana de terroristas.

Enquanto escrevo estas linhas como uma singela homenagem, milhares de sul-africanos cantam e dançam sob a chuva em Johanesburgo. Empunham bandeiras da África do Sul, vestem camisas com seu rosto, com as cores e o anagrama do Congresso Nacional Africano (CNA) e até uniformes militares da Umkhonto we Sizwe, o braço armado da organização fundada por Mandela.

Que a despedida deste grande líder renove nossas esperanças por um mundo melhor e incentive as lutas de todos os povos em busca de dignidade e justiça social. Que sirva para uma reflexão profunda sobre a atual configuração política de nossa sociedade.

“A pobreza massiva e a desigualdade obscena são terríveis chagas de nossos tempos – tempos os quais o mundo galga impressionantes avanços na ciência, tecnologia, indústria e acumulação de riqueza – porém ainda assim temos de conviver com a escravidão e o apartheid. Dar fim a pobreza não é um gesto de caridade. É um ato de justiça. É a proteção de um direito humano fundamental, o direito a dignidade e a uma vida decente. Enquanto a pobreza existir não há liberdade genuína.”

Salve Nelson Mandela!
 
Andréa Lima
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 11/12/2013

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Duas histórias do protagonismo negro em Jaguarão



          Quero contar aos leitores duas histórias do protagonismo negro ocorridas nesta cidade em meados do século 19. Digo protagonismo porque quero evidenciar que a população negra que aqui viveu traçava planos para deixar o cativeiro. Por muito tempo achou-se que a carta de liberdade provava a bondade dos senhores. No entanto, em muitos casos os escravizados lutavam para obterem sua alforria. A luta contra o racismo e a falta de oportunidades não vêm de hoje. Vamos ver o que estas histórias podem nos contar sobre isso.

            As duas histórias que relatarei a partir de agora foram encontradas em documentos depositados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Os dois protagonistas desta história chamam-se Faustina e Anacleto. Faustina, filha da escravizada Joaquina, nasceu em 1843 (Melo, Uruguai) apenas um ano após a Abolição da escravatura naquele país. Anacleto, filho da escravizada Marcela, nasceu em Encruzilhada em 1851. Mas o que estas duas histórias tem em comum? Tanto Faustina como Anacleto passaram pelo Uruguai em tempos que já não havia mais escravidão e foram vendidos como cativos aqui em Jaguarão, provavelmente na praça do desembarque.

            Faustina nasceu no Uruguai porque sua mãe, a africana Joaquina, fugiu de Jaguarão para Melo em busca de sua liberdade. Joaquina até conseguiria uma alforria, já que muitas outras africanas de sua idade juntavam dinheiro para oferecerem à sua senhora. Mas por algum motivo que não sabemos, Joaquina rumou para Melo e em pouco tempo casou-se com também africano Joaquim, nascendo lá sua filha Faustina. Como a africana fugiu durante a Guerra dos Farrapos, ao findar este conflito um capitão do mato foi a sua procura. Ao invés de capturar Joaquina, o capitão Noronha apreendeu Faustina, que possuía apenas 10 anos. Faustina foi levada para Jaguarão e de lá foi vendida para Pelotas. Faustina nasceu em um país livre, mas por ser filha de africanos foi escravizada e assim permaneceu até 1854, quando moradores de Pelotas avisaram o cônsul uruguaio de que ali uma vivia uma “oriental” escravizada ilegalmente. O processo aberto pelo juiz de Pelota durou aproximadamente dois anos. Por fim, com a insistência do cônsul e dos pais de Faustina, a mesma foi libertada e extraditada para seu país de nascimento.

            Em 1859, quando Anacleto possuía oito anos, seu senhor Ântônio o levou de sua fazenda em Encruzilhada para uma estância em Tupampaé, Uruguai. Anacleto não foi o único enviado. Muitos outros cativos brasileiros trabalhavam em estâncias uruguaias num tempo que a escravidão havia sido abolida daquele país. Ismael, filho de Antônio era o responsável pela estância. Por seu descuido, Anacleto foi sequestrado por dois indivíduos a cavalo. Anacleto foi levado para Jaguarão e de lá foi vendido para Rio Grande. Neste período, o preço dos escravizados era muito alto, devido o fim do tráfico de africanos em 1850. Um peão que trabalhava para Antônio, primeiro senhor de Anacleto, o reconheceu em Rio Grande e avisou seu patrão. A partir daí surgiu um processo criminal para investigar o caso de roubo do cativo. Anacleto, apesar da possibilidade de ser liberto por viver no Uruguai depois da abolição, não conseguiu sua liberdade, pois por ter nascido no Brasil o consulado uruguaio não pode defendê-lo.

            As desventuras de Faustina e Anacleto mostram o quão era incerto morar em regiões de fronteira. Poderiam ser escravizados de forma ilegal, ou obterem na Justiça a liberdade por pisarem em solo uruguaio após 1842. Faustina obteve sua liberdade, pois o conceito de cidadã uruguaia foi acionado por seus advogados. Contudo, o conceito de solo livre, que provava que Anacleto pisou no Uruguai não teve a mesma força. Espero que estas histórias, que provam o protagonismo negro no passado, contribuam para que a população negra que vive aqui em Jaguarão atualmente se inspire a lutar pelo reconhecimento de sua história e pela conquista de seus direitos.
 
 Prof. Jônatas Caratti
(UNIPAMPA/UFRGS)


 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Uma cidade mais colorida

 
Entre os dias 25 e 30 de novembro, nossa praça central esteve mais bonita e colorida, com livreiros, biblioteca itinerante, arte, artesanato, contação de histórias, poesia e música ao entardecer, por ocasião da Feira Alternativa de Literatura e Arte (FALA), um evento construído de forma colaborativa e que mobilizou muita gente na nossa querida e fértil fronteira. Tudo começou com o anúncio de que, pelo segundo ano consecutivo, não haveria a Feira Binacional do Livro, pois, como todos sabem, estamos sob vigência de um decreto de contingenciamento orçamentário da Prefeitura, dependendo do aporte de recursos via governo federal ou de patrocínio para um evento de tal envergadura, que envolve cachês artísticos, estrutura, luz e sonorização, só para o início de conversa.
Pensando que talvez o mais importante de uma Feira do Livro seja o incentivo ao hábito de ler, contar e ouvir histórias e interpretar o mundo, um grupo de pessoas de diversas áreas se reuniu e idealizou uma feira alternativa, não dependente do capital, mas sim da criatividade e do empenho das pessoas. Afinal, temos aqui uma Universidade, escritores, artistas, ativistas e muita gente produzindo, atuando e com boas ideias. Ninguém melhor do que o Professor Maninho, agora presidente e agitador da SIC – Sociedade Independente Cultural, para abraçar a causa e contagiar a todos com sua energia e espírito revolucionário. Ele se mexeu de todas as formas, fez reuniões aqui e acolá e juntou uma verdadeira caravana de gente afim de trabalhar e com habilidade pra dizer mais sim do que não.
Com pouco ou quase nada de recursos financeiros, realizamos cinco dias de evento, que começou com uma gincana cultural organizada pela Secretaria de Educação e Desporto e se estendeu com atividades na Biblioteca Pública e sob a sombra das árvores da Alcides Marques. Levar exposições de telas, livros, música e poesia para a rua é uma forma de buscar a interação com as pessoas que passam, indo e voltando do trabalho. Instalar uma biblioteca no miolo de uma área central atrai a atenção das crianças, que podem descobrir no hábito de ler uma atividade satisfatória, tornando-se sujeitos mais críticos e atentos na interpretação de sua realidade social.
As atividades na Biblioteca Pública, por sua vez, foram muitas e diversas. Em um ambiente rodeado por livros aconteceu um Sarau Literário, colóquios, atividades dos cursos de Letras, Pedagogia e Produção e Política Cultural, palestras e uma belíssima fala do escritor Aldyr Garcia Schlee, uma das principais referências quando o assunto são os causos, histórias e o imaginário da fronteira do país com o Uruguai.
O escritor, além de falar um pouco sobre seu universo literário e sua rotina de trabalho, abordou temas do seu último livro “Contos da Vida Difícil”, que traz à tona a questão do intenso tráfico de mulheres na Jaguarão da década de 20 e as memórias dos prostíbulos e cabarés, que nossa cidade fez questão de ocultar, esquecer. Vale a pena ler!
No mais, tenho que ressaltar o quanto tem gente empenhada pela valorização da cultura não só como a cereja do bolo, mas como um direito social básico dos cidadãos. Estamos todos na luta para que as bibliotecas, um dia, sejam mais frequentadas e valorizadas do que os bancos.
 Andréa Lima.
Texto publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional em 04/12/2013.

Contra o poder da opressão



Marcha de Zumbi dos Palmares em Jaguarão
20/11/2013.
Foto: Roberto Luzardo
 

Não poderia deixar de registrar as minhas impressões sobre a Semana da Consciência Negra, que chegou a sua 5ª edição, e movimentou nossa cidade entre os dias 18 e 24 de novembro, proporcionando encontros entre muitas pessoas, grupos e ativistas de todas as partes, que botaram o bloco na rua e unificaram as pautas por ações de reparação, valorização da história e da memória e garantia dos direitos sociais da população negra. Talvez muita gente tenha se surpreendido com a Marcha Zumbi dos Palmares, que acontece já há bastante tempo no 20 de Novembro em várias partes do país, mas que pela primeira vez cruzou a Avenida 27 de Janeiro tendo como destino o Clube 24 de Agosto, agora já com a cara de Ponto de Cultura.

Guiados pelo som dos Berimbaus e a musicalidade da Capoeira, a comunidade do Clube 24, jovens estudantes, ialorixás, babalorixás, professores e professoras, quilombolas da Comunidade Madeira, artistas, ativistas e pessoas da comunidade em geral levantaram suas bandeiras exigindo respeito e o fim da discriminação e da exclusão social, algumas das mazelas geradas por mais de três séculos de escravidão.

A mobilização nas ruas mostra que aqui estamos alinhados aos movimentos nacionais e que a juventude e os trabalhadores não aceitam passivamente dados alarmantes como os que se referem aos altos índices de assassinatos de jovens negros, ao perfil da população carcerária no país e a desigualdade que impera nas condições de trabalho e acesso ao ensino superior entre negros e não negros. No que tange em especial às questões de gênero, dados do Ministério do Trabalho revelam, por exemplo, que a mulher negra ganha, em média, R$ 790 e o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 - mais que o dobro. No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números. São 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas e 11,9 milhões de homens brancos. Penso que estes e outros índices, apontados pelo documento coletivo de chamada para a Marcha em Jaguarão, revelam por si só o quanto é importante manter a mobilização cotidianamente e buscar a inserção em todos os espaços, na luta política e na legislação.

Nos outros dias do evento, que não teve o propósito de delimitar, mas sim de potencializar as atividades em prol da consciência negra, acompanhamos as discussões sobre a Lei 10.639, que pauta a inserção da história e da cultura afro na realidade escolar, encontros de mulheres, grupos de discussão sobre clubes sociais negros, agroecologia e saúde, oficina de vídeo como registro da memória, entre outras atividades. No final de semana vimos a Praça Alcides Marques se pintar de gente, com a participação do Coletivo Negada de Pelotas, Grupo de Dança Afro Monjolo, Associação de Capoeira Zumbi dos Palmares, oficinão de danças urbanas, teatro e diversas atrações culturais. Como já foi dito em outros momentos, o evento chegou ao fim, mas as lutas se renovam e continuam. Em algum dos cartazes da marcha li o trecho de uma música de autoria do compositor Paulo Romeu que diz “Contra o poder da Opressão, Zumbi também sou eu...” Sim, Zumbi somos todos nós, construindo esta nação.
 
 
Andréa Lima.
Publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional em 27/11/2013