sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A retomada do Mercado Público de Jaguarão como lugar de encontros e sociabilidade


Seu Lino. Guardião do Mercado Público de Jaguarão
 
A interdição do Mercado Público Municipal, efetivada pelo Corpo de Bombeiros em meados de julho deste ano, foi o ponto derradeiro do processo de abandono do prédio que se arrasta há várias décadas. Os últimos quatro comerciantes estabelecidos no local tiveram que deixar o prédio levando seus pertences e os poucos espaços que ainda eram freqüentados fecharam as portas, um a um. A sorveteria do seu Matté, que funcionou por aproximadamente 40 anos, uma lan house, um açougue e uma pequena loja de conserto de eletroeletrônicos foram os últimos estabelecimentos a resistir.

Seu Lino, zelador e guardião do bem, anda agora sozinho pelo pátio interno do prédio, rememorando as boas histórias e seu tempo de guri. No Mercado, de tudo viu. Como era lindo aquilo lá!Quando vê um grupo de turistas logo aprochega-se para a prosa. Traz na memória as feiras, as carroças que chegavam abarrotadas de mercadorias e os clientes que se acotovelavam entre as bancas em busca do melhor preço, do melhor produto.

O Mercado Público foi construído entre os anos de 1864 e 1867 junto à antiga Praça do Comércio, a fim de escoar os produtos aportados no rio Jaguarão. Nessa época, apesar da crise pela qual passava a cidade em função das dificuldades de navegação nos períodos de estio no sangradouro da Lagoa Mirim, ainda era grande a movimentação na região da orla, onde ficavam instaladas pequenas indústrias, depósitos e armazéns.

O Mercado congregava, em especial, a venda de pescados e de produtos alimentícios, da agricultura familiar, proporcionando o contato direto entre a clientela e os produtores.

Entretanto, de forma relacionada diretamente aos problemas de um sistema maior, em que os mercados públicos tradicionais foram em grande parte deteriorados para dar espaço aos supermercados, o velho mercado de Jaguarão foi perdendo sua soberania e, aos poucos, se esvaziando. A falta de investimentos na manutenção e recuperação de sua estrutura provocou problemas graves na cobertura, nas redes elétrica e hidrossanitária, o que levou às péssimas condições do prédio como um todo.

No ano de 2010, com recursos da Consulta Popular, a Prefeitura contratou o projeto de restauração do bem, que é tombado como Patrimônio Histórico do Estado desde 1990.

Recentemente, com o anúncio dos investimentos do PAC 2 – Cidades Históricas para Jaguarão, em que a recuperação do Mercado Público foi incluída como uma das ações prioritárias, vislumbra-se concretamente uma possibilidade de mudança.  O projeto de recuperação do prédio visa sua retomada como local de encontros e sociabilidade, através da instalação de bares e restaurantes e outros comércios menores, que poderão servir para o varejo, a venda de artesanato e de produtos relacionados às múltiplas identidades da fronteira. Por estar em uma posição privilegiada, na região do antigo porto e próximo à Ponte Mauá, poderá acolher os turistas, como mais um atrativo para a cidade, e ser um espaço para as pessoas da própria comunidade, que também deverão usufruir de um lugar para um bom papo, um café ou a apreciação das belas figueiras, que compõem a paisagem. Seus usos devem ser múltiplos e oferecer possibilidades variadas como feiras itinerantes, espaços para a economia popular e solidária, mostras de arte e exposições. A população deve bem se apropriar e preservar este espaço, afinal os Mercados Públicos sempre foram e serão do povo.
 
Andréa Lima.
Publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional, 2013.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa?



 
 



Da Enfermaria abandonada, mal assombrada, sem serventia, da música “Cerro da Pólvora”, de autoria do nosso querido Thadeu Gomes e cantada por Hélio Ramirez, pouco se fala hoje em dia em nossa cidade.  Está em pauta o Centro de Interpretação do Pampa, cuja obra está a todo vapor em uma das regiões naturalmente mais bonitas de Jaguarão, de onde podemos ter uma visão privilegiada de boa parte de seu território, do Uruguay e do rio.

Ao longo do tempo, a Enfermaria teve vários usos. Construída entre 1880 e 1883, inicialmente atendia aos militares, oficiais e praças da cidade e da região, quando feridos ou acometidos de enfermidades. Servia, ainda, como um lugar de vigia da fronteira nacional. Nesta época não tínhamos a Ponte Mauá e, do outro lado do rio, o acampamento espanhol se desenvolvera e dera origem a Vila de Artigas, hoje Rio Branco. 

Contam que o prédio funcionou também como escola e, segundo alguns relatos, chegou a ser utilizado como prisão política, no período da ditadura militar. Alguns dizem que não, outros afirmam que sim, e eu não duvido de nada, já que as áreas de fronteira eram estratégicas para as operações militares e perseguição aos que ousaram ser contrários ao regime ditatorial. O que sei é que ainda precisamos de muita pesquisa sobre o histórico do bem e, neste processo, buscar ouvir todas as vozes, pesquisar os documentos escritos em salvaguarda nos arquivos públicos e militares (que sim, devem ser abertos!), mas registrar também a memória através das fontes orais.

Escutamos interessantes histórias, que podem ser diferentes de acordo com quem conta, sobre o saque e a depredação do prédio. Fato é que ele já tinha sido esvaziado pelos militares e lá estava, à mercê do poder das intempéries. Levaram as telhas, materiais de construção, janelas, portas, azulejos, vasos e banheiras, bem como detalhes e adornos da edificação.

E, assim, se acentuou o processo de deterioração do bem, que foi perdendo seus elementos, aos poucos, e ganhou o ar fantasmagórico de ruína. Mas abandonado, de verdade, nunca esteve. As pessoas o frequentavam para tomar mate e passear, os meninos jogavam bola, as mulheres do entorno estendiam suas roupas no local e até festas de aniversário, por incrível que pareça, eram realizadas por lá, em uma relação de intimidade da comunidade com seu patrimônio.

Mesmo assim se sabia que, sem investimentos, em pouco tempo este local iria se perder.

Na década de 80 começaram os movimentos para a recuperação da área como um atrativo turístico. Aconteceram vigílias culturais e um trabalho fundamental de sensibilização para a recuperação do patrimônio cultural foi trazido à tona pelos ativistas do Projeto Jaguar. Com as sementes plantadas, em 2009 a comunidade abraçou novamente o prédio e foi contratado um pré-projeto para a sua recuperação, ousadamente pela Prefeitura Municipal.

Com uma parceria entre IPHAN, Município e a Unipampa surgiu a proposta de se instalar no local o Centro de Interpretação do Pampa, sob gestão da Universidade.

Como tema central do projeto, a singularidade da paisagem física e humana do que se chama “Pampa”, no quadro da experiência brasileira. Projeta-se um espaço interativo, no qual os visitantes poderão vivenciar a especificidade e a riqueza da natureza, da cultura e da história irrepetível da região, que atrairá também um grande número de turistas à fronteira.

Apesar de tal propósito, tivemos notícia, nos últimos dias, de que se pretende cercar toda a área do parque, com a instalação de grades, por conta de uma exigência da Universidade.  Com o entendimento de que o projeto foi idealizado como parte de um programa político do município e com o principal objetivo de beneficiar a comunidade do bairro em que está inserido, é importante questionar o porquê destas grades e se não devemos priorizar o livre acesso a área do parque. Queremos a participação efetiva no usufruto do Centro de Interpretação do Pampa e que os investimentos no patrimônio cultural sejam não apenas vetor de desenvolvimento econômico, mas principalmente de desenvolvimento social. Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa? Você concorda? Já pensou sobre isso?

 Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 09 de outubro de 2013.