terça-feira, 15 de outubro de 2013

Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa?



 
 



Da Enfermaria abandonada, mal assombrada, sem serventia, da música “Cerro da Pólvora”, de autoria do nosso querido Thadeu Gomes e cantada por Hélio Ramirez, pouco se fala hoje em dia em nossa cidade.  Está em pauta o Centro de Interpretação do Pampa, cuja obra está a todo vapor em uma das regiões naturalmente mais bonitas de Jaguarão, de onde podemos ter uma visão privilegiada de boa parte de seu território, do Uruguay e do rio.

Ao longo do tempo, a Enfermaria teve vários usos. Construída entre 1880 e 1883, inicialmente atendia aos militares, oficiais e praças da cidade e da região, quando feridos ou acometidos de enfermidades. Servia, ainda, como um lugar de vigia da fronteira nacional. Nesta época não tínhamos a Ponte Mauá e, do outro lado do rio, o acampamento espanhol se desenvolvera e dera origem a Vila de Artigas, hoje Rio Branco. 

Contam que o prédio funcionou também como escola e, segundo alguns relatos, chegou a ser utilizado como prisão política, no período da ditadura militar. Alguns dizem que não, outros afirmam que sim, e eu não duvido de nada, já que as áreas de fronteira eram estratégicas para as operações militares e perseguição aos que ousaram ser contrários ao regime ditatorial. O que sei é que ainda precisamos de muita pesquisa sobre o histórico do bem e, neste processo, buscar ouvir todas as vozes, pesquisar os documentos escritos em salvaguarda nos arquivos públicos e militares (que sim, devem ser abertos!), mas registrar também a memória através das fontes orais.

Escutamos interessantes histórias, que podem ser diferentes de acordo com quem conta, sobre o saque e a depredação do prédio. Fato é que ele já tinha sido esvaziado pelos militares e lá estava, à mercê do poder das intempéries. Levaram as telhas, materiais de construção, janelas, portas, azulejos, vasos e banheiras, bem como detalhes e adornos da edificação.

E, assim, se acentuou o processo de deterioração do bem, que foi perdendo seus elementos, aos poucos, e ganhou o ar fantasmagórico de ruína. Mas abandonado, de verdade, nunca esteve. As pessoas o frequentavam para tomar mate e passear, os meninos jogavam bola, as mulheres do entorno estendiam suas roupas no local e até festas de aniversário, por incrível que pareça, eram realizadas por lá, em uma relação de intimidade da comunidade com seu patrimônio.

Mesmo assim se sabia que, sem investimentos, em pouco tempo este local iria se perder.

Na década de 80 começaram os movimentos para a recuperação da área como um atrativo turístico. Aconteceram vigílias culturais e um trabalho fundamental de sensibilização para a recuperação do patrimônio cultural foi trazido à tona pelos ativistas do Projeto Jaguar. Com as sementes plantadas, em 2009 a comunidade abraçou novamente o prédio e foi contratado um pré-projeto para a sua recuperação, ousadamente pela Prefeitura Municipal.

Com uma parceria entre IPHAN, Município e a Unipampa surgiu a proposta de se instalar no local o Centro de Interpretação do Pampa, sob gestão da Universidade.

Como tema central do projeto, a singularidade da paisagem física e humana do que se chama “Pampa”, no quadro da experiência brasileira. Projeta-se um espaço interativo, no qual os visitantes poderão vivenciar a especificidade e a riqueza da natureza, da cultura e da história irrepetível da região, que atrairá também um grande número de turistas à fronteira.

Apesar de tal propósito, tivemos notícia, nos últimos dias, de que se pretende cercar toda a área do parque, com a instalação de grades, por conta de uma exigência da Universidade.  Com o entendimento de que o projeto foi idealizado como parte de um programa político do município e com o principal objetivo de beneficiar a comunidade do bairro em que está inserido, é importante questionar o porquê destas grades e se não devemos priorizar o livre acesso a área do parque. Queremos a participação efetiva no usufruto do Centro de Interpretação do Pampa e que os investimentos no patrimônio cultural sejam não apenas vetor de desenvolvimento econômico, mas principalmente de desenvolvimento social. Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa? Você concorda? Já pensou sobre isso?

 Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 09 de outubro de 2013.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo teu artigo e pela coragem de abordar esta questão!

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  2. Grades, cercas?? Limitar as pessoas de usufruir do que é delas e para elas? Como vivo aqui numa cidade grande e convivo com grades em tudo o tempo inteiro, penso que, na cidade de Jaguarão é muito cedo pra se privar da natureza e tranquilidade que o lugar oferece, pensando que os turistas também irão atrás dessa beleza de lugar !!!

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