quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Temos direito a moradia digna


Aproxima-se o fim do ano e mais um reajuste no aluguel me fez eleger como tema desta semana a questão do direito à moradia, reconhecido em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tornando-se “um direito humano universal, aceito e aplicável em todas as partes do mundo como um dos direitos fundamentais para a vida das pessoas”.

Também está previsto na constituição do Brasil e envolve, além de um teto e quatro paredes, a disponibilidade de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos.

Moro em uma casa simples, com cinco cômodos, cujo aluguel se vai aos quase R$ 500. Há pouco tempo atrás, uma casa deste porte em nossa cidade seria avaliada em uma média de R$ 300, R$ 350 reais.  Não estou aqui simplesmente me queixando do que considero um valor abusivo, mas compartilhando com vocês, leitores, um pouco da sensação que tenho quando o assunto é o acesso a um lar. Hoje em dia, quando folheio os jornais e vejo os preços apontados pelas imobiliárias, vejo que está realmente difícil adquirir um terreno ou uma casinha na nossa fronteira, com preços justos. Os aluguéis das casas centrais chegam a R$ 600, R$700 e já vi chegarem a R$ 1000, R$1500. 

As casas nos bairros não ficam atrás, também estão caras e muitas vezes são precárias. Terrenos disponíveis, já são poucos.

Os estudantes da Unipampa, vindos de fora, também são vítimas deste processo. Já vi muitos desistirem, por conta da falta de políticas de assistência estudantil. Finalmente, para estes, uma boa notícia: a construção da Casa do estudante já foi licitada pela Universidade e as obras devem começar no início de 2014. Foi uma conquista a base de muita luta e mobilização do movimento estudantil.

Temos diante dos olhos um difícil jogo gerado pela valorização da nossa cidade, fruto do alinhamento das políticas públicas em diversas esferas, o que é positivo, e, por outro lado, uma procura por imóveis maior do que a oferta. Falamos de Leis de Mercado. Com a pouca disponibilidade de imóveis para a locação, vemos uma alta significativa nos preços e a impossibilidade de pessoas, de menor poder aquisitivo, e portanto mais necessitadas, de acessar. E isso que as políticas públicas para a moradia são um marco da atual gestão. Já foram entregues, pelo Programa Minha Casa Minha Vida, 60 casas no Bairro Carvalho e outras 50 estão em construção no Indianópolis. Este programa no cenário do país já mudou a vida de milhares e milhares de famílias, que conquistaram o sonho de ter uma casa própria.

Ainda assim, os conflitos envolvendo a questão da moradia se alastram e são corriqueiros. Quem não lembra o caso da Vila Mayer, em que mais de cem famílias foram ameaçadas de despejo de suas casas, por conta da requisição da área por seus herdeiros? Este teria sido um dos piores episódios da nossa história, não fosse a celebração de um contrato, às pressas, entre a Prefeitura Municipal e os beneficiários, que reverteu a ação.  No mais, às disputas urbanas se somam a luta de todos os trabalhadores do campo, indígenas e comunidades quilombolas, de uma grandeza e força que jamais caberiam neste artigo.

O Movimento Nacional de Luta pela Moradia já chegou a nossa cidade. Está organizando as famílias e os trabalhadores em diversos bairros para que compreendam que moradia digna não é favor, é um direito social básico dos cidadãos.

Precisamos de reformas, de reformas urgentes: urbana, agrária, do pensamento.

Precisamos, todos e todas, ser mais radicais na luta contra a pobreza neste país.
 
Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 18/12/2013.

 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mandela e a luta de um povo

 

 
Madiba nos deixou. Na última quinta-feira, 05 de dezembro, do alto de seus 95 anos.
Estava em casa, com seus familiares, desde princípios de setembro, depois de longos três meses de hospitalização, em que lutou contra complicações pulmonares.

Mais do que belas palavras, fica o exemplo de sua trajetória. Toda uma vida de militância por uma sociedade justa, livre e alicerçada nos direitos humanos, no enfrentamento ao racismo e a discriminação. Não, não era o líder pacifista que a mídia conservadora e a direita ocidental ajudaram a construir e se obrigaram a aceitar. Era rebelde, não se curvava e estava disposto a morrer pelas causas que defendia.
Aos sete anos de idade começou a estudar, foi o primeiro membro de sua família a ingressar na escola. No decorrer do ensino superior, ao cursar Direito, se envolveu com o movimento estudantil.  Já na juventude liderou a oposição ao regime de segregação conhecido como Apartheide, que durante décadas imperou na África do Sul e negou aos negros, mestiços e asiáticos direitos sociais, políticos e econômicos. Eram governados e submetidos aos valores de uma minoria branca.

Por suas bandeiras e pela dignidade de seu povo, uniu-se ao Congresso Nacional Africano (CNA), onde fundou uma liga jovem, e intensificou as ações junto aos companheiros militantes que, como ele, não fugiram a luta. Assim como Che Guevara endureceu. Entrou para a luta armada, mas não perdeu a ternura jamais.
Na década de 1960, opor-se ao regime predominante poderia significar a morte. A polícia sul-africana, no conhecido massacre de Shaperville, matara 69 jovens negros e ferira quase 200. Mandela não se calou. Ao contrário, fortaleceu o movimento.

Em 1962, denunciado pela CIA, foi sentenciado a cinco anos de prisão por viajar ilegalmente ao exterior e incentivar greves.
Em 1964 foi condenado a prisão perpétua por sabotagem ao governo e ações da luta armada.

Ficou preso por 27 anos e passou a simbolizar, internacionalmente, as lutas antiapartheid.
Quando libertado em 1990, por conta de uma grande pressão social, um mar de pessoas o aguardava nas ruas. Estava com 72 anos. Chegou a presidência da África do Sul em 1994 e comandou a transição do regime racista, buscando a igualdade e a unificação do país. Mas não, não foi só isso. Sua luta foi complexa, de classes, contra os domínios do Imperialismo. Cabe lembrar que até o ano de 2008 seu nome constou na lista norte-americana de terroristas.

Enquanto escrevo estas linhas como uma singela homenagem, milhares de sul-africanos cantam e dançam sob a chuva em Johanesburgo. Empunham bandeiras da África do Sul, vestem camisas com seu rosto, com as cores e o anagrama do Congresso Nacional Africano (CNA) e até uniformes militares da Umkhonto we Sizwe, o braço armado da organização fundada por Mandela.

Que a despedida deste grande líder renove nossas esperanças por um mundo melhor e incentive as lutas de todos os povos em busca de dignidade e justiça social. Que sirva para uma reflexão profunda sobre a atual configuração política de nossa sociedade.

“A pobreza massiva e a desigualdade obscena são terríveis chagas de nossos tempos – tempos os quais o mundo galga impressionantes avanços na ciência, tecnologia, indústria e acumulação de riqueza – porém ainda assim temos de conviver com a escravidão e o apartheid. Dar fim a pobreza não é um gesto de caridade. É um ato de justiça. É a proteção de um direito humano fundamental, o direito a dignidade e a uma vida decente. Enquanto a pobreza existir não há liberdade genuína.”

Salve Nelson Mandela!
 
Andréa Lima
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 11/12/2013

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Duas histórias do protagonismo negro em Jaguarão



          Quero contar aos leitores duas histórias do protagonismo negro ocorridas nesta cidade em meados do século 19. Digo protagonismo porque quero evidenciar que a população negra que aqui viveu traçava planos para deixar o cativeiro. Por muito tempo achou-se que a carta de liberdade provava a bondade dos senhores. No entanto, em muitos casos os escravizados lutavam para obterem sua alforria. A luta contra o racismo e a falta de oportunidades não vêm de hoje. Vamos ver o que estas histórias podem nos contar sobre isso.

            As duas histórias que relatarei a partir de agora foram encontradas em documentos depositados no Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul. Os dois protagonistas desta história chamam-se Faustina e Anacleto. Faustina, filha da escravizada Joaquina, nasceu em 1843 (Melo, Uruguai) apenas um ano após a Abolição da escravatura naquele país. Anacleto, filho da escravizada Marcela, nasceu em Encruzilhada em 1851. Mas o que estas duas histórias tem em comum? Tanto Faustina como Anacleto passaram pelo Uruguai em tempos que já não havia mais escravidão e foram vendidos como cativos aqui em Jaguarão, provavelmente na praça do desembarque.

            Faustina nasceu no Uruguai porque sua mãe, a africana Joaquina, fugiu de Jaguarão para Melo em busca de sua liberdade. Joaquina até conseguiria uma alforria, já que muitas outras africanas de sua idade juntavam dinheiro para oferecerem à sua senhora. Mas por algum motivo que não sabemos, Joaquina rumou para Melo e em pouco tempo casou-se com também africano Joaquim, nascendo lá sua filha Faustina. Como a africana fugiu durante a Guerra dos Farrapos, ao findar este conflito um capitão do mato foi a sua procura. Ao invés de capturar Joaquina, o capitão Noronha apreendeu Faustina, que possuía apenas 10 anos. Faustina foi levada para Jaguarão e de lá foi vendida para Pelotas. Faustina nasceu em um país livre, mas por ser filha de africanos foi escravizada e assim permaneceu até 1854, quando moradores de Pelotas avisaram o cônsul uruguaio de que ali uma vivia uma “oriental” escravizada ilegalmente. O processo aberto pelo juiz de Pelota durou aproximadamente dois anos. Por fim, com a insistência do cônsul e dos pais de Faustina, a mesma foi libertada e extraditada para seu país de nascimento.

            Em 1859, quando Anacleto possuía oito anos, seu senhor Ântônio o levou de sua fazenda em Encruzilhada para uma estância em Tupampaé, Uruguai. Anacleto não foi o único enviado. Muitos outros cativos brasileiros trabalhavam em estâncias uruguaias num tempo que a escravidão havia sido abolida daquele país. Ismael, filho de Antônio era o responsável pela estância. Por seu descuido, Anacleto foi sequestrado por dois indivíduos a cavalo. Anacleto foi levado para Jaguarão e de lá foi vendido para Rio Grande. Neste período, o preço dos escravizados era muito alto, devido o fim do tráfico de africanos em 1850. Um peão que trabalhava para Antônio, primeiro senhor de Anacleto, o reconheceu em Rio Grande e avisou seu patrão. A partir daí surgiu um processo criminal para investigar o caso de roubo do cativo. Anacleto, apesar da possibilidade de ser liberto por viver no Uruguai depois da abolição, não conseguiu sua liberdade, pois por ter nascido no Brasil o consulado uruguaio não pode defendê-lo.

            As desventuras de Faustina e Anacleto mostram o quão era incerto morar em regiões de fronteira. Poderiam ser escravizados de forma ilegal, ou obterem na Justiça a liberdade por pisarem em solo uruguaio após 1842. Faustina obteve sua liberdade, pois o conceito de cidadã uruguaia foi acionado por seus advogados. Contudo, o conceito de solo livre, que provava que Anacleto pisou no Uruguai não teve a mesma força. Espero que estas histórias, que provam o protagonismo negro no passado, contribuam para que a população negra que vive aqui em Jaguarão atualmente se inspire a lutar pelo reconhecimento de sua história e pela conquista de seus direitos.
 
 Prof. Jônatas Caratti
(UNIPAMPA/UFRGS)


 


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Uma cidade mais colorida

 
Entre os dias 25 e 30 de novembro, nossa praça central esteve mais bonita e colorida, com livreiros, biblioteca itinerante, arte, artesanato, contação de histórias, poesia e música ao entardecer, por ocasião da Feira Alternativa de Literatura e Arte (FALA), um evento construído de forma colaborativa e que mobilizou muita gente na nossa querida e fértil fronteira. Tudo começou com o anúncio de que, pelo segundo ano consecutivo, não haveria a Feira Binacional do Livro, pois, como todos sabem, estamos sob vigência de um decreto de contingenciamento orçamentário da Prefeitura, dependendo do aporte de recursos via governo federal ou de patrocínio para um evento de tal envergadura, que envolve cachês artísticos, estrutura, luz e sonorização, só para o início de conversa.
Pensando que talvez o mais importante de uma Feira do Livro seja o incentivo ao hábito de ler, contar e ouvir histórias e interpretar o mundo, um grupo de pessoas de diversas áreas se reuniu e idealizou uma feira alternativa, não dependente do capital, mas sim da criatividade e do empenho das pessoas. Afinal, temos aqui uma Universidade, escritores, artistas, ativistas e muita gente produzindo, atuando e com boas ideias. Ninguém melhor do que o Professor Maninho, agora presidente e agitador da SIC – Sociedade Independente Cultural, para abraçar a causa e contagiar a todos com sua energia e espírito revolucionário. Ele se mexeu de todas as formas, fez reuniões aqui e acolá e juntou uma verdadeira caravana de gente afim de trabalhar e com habilidade pra dizer mais sim do que não.
Com pouco ou quase nada de recursos financeiros, realizamos cinco dias de evento, que começou com uma gincana cultural organizada pela Secretaria de Educação e Desporto e se estendeu com atividades na Biblioteca Pública e sob a sombra das árvores da Alcides Marques. Levar exposições de telas, livros, música e poesia para a rua é uma forma de buscar a interação com as pessoas que passam, indo e voltando do trabalho. Instalar uma biblioteca no miolo de uma área central atrai a atenção das crianças, que podem descobrir no hábito de ler uma atividade satisfatória, tornando-se sujeitos mais críticos e atentos na interpretação de sua realidade social.
As atividades na Biblioteca Pública, por sua vez, foram muitas e diversas. Em um ambiente rodeado por livros aconteceu um Sarau Literário, colóquios, atividades dos cursos de Letras, Pedagogia e Produção e Política Cultural, palestras e uma belíssima fala do escritor Aldyr Garcia Schlee, uma das principais referências quando o assunto são os causos, histórias e o imaginário da fronteira do país com o Uruguai.
O escritor, além de falar um pouco sobre seu universo literário e sua rotina de trabalho, abordou temas do seu último livro “Contos da Vida Difícil”, que traz à tona a questão do intenso tráfico de mulheres na Jaguarão da década de 20 e as memórias dos prostíbulos e cabarés, que nossa cidade fez questão de ocultar, esquecer. Vale a pena ler!
No mais, tenho que ressaltar o quanto tem gente empenhada pela valorização da cultura não só como a cereja do bolo, mas como um direito social básico dos cidadãos. Estamos todos na luta para que as bibliotecas, um dia, sejam mais frequentadas e valorizadas do que os bancos.
 Andréa Lima.
Texto publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional em 04/12/2013.

Contra o poder da opressão



Marcha de Zumbi dos Palmares em Jaguarão
20/11/2013.
Foto: Roberto Luzardo
 

Não poderia deixar de registrar as minhas impressões sobre a Semana da Consciência Negra, que chegou a sua 5ª edição, e movimentou nossa cidade entre os dias 18 e 24 de novembro, proporcionando encontros entre muitas pessoas, grupos e ativistas de todas as partes, que botaram o bloco na rua e unificaram as pautas por ações de reparação, valorização da história e da memória e garantia dos direitos sociais da população negra. Talvez muita gente tenha se surpreendido com a Marcha Zumbi dos Palmares, que acontece já há bastante tempo no 20 de Novembro em várias partes do país, mas que pela primeira vez cruzou a Avenida 27 de Janeiro tendo como destino o Clube 24 de Agosto, agora já com a cara de Ponto de Cultura.

Guiados pelo som dos Berimbaus e a musicalidade da Capoeira, a comunidade do Clube 24, jovens estudantes, ialorixás, babalorixás, professores e professoras, quilombolas da Comunidade Madeira, artistas, ativistas e pessoas da comunidade em geral levantaram suas bandeiras exigindo respeito e o fim da discriminação e da exclusão social, algumas das mazelas geradas por mais de três séculos de escravidão.

A mobilização nas ruas mostra que aqui estamos alinhados aos movimentos nacionais e que a juventude e os trabalhadores não aceitam passivamente dados alarmantes como os que se referem aos altos índices de assassinatos de jovens negros, ao perfil da população carcerária no país e a desigualdade que impera nas condições de trabalho e acesso ao ensino superior entre negros e não negros. No que tange em especial às questões de gênero, dados do Ministério do Trabalho revelam, por exemplo, que a mulher negra ganha, em média, R$ 790 e o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 - mais que o dobro. No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números. São 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas e 11,9 milhões de homens brancos. Penso que estes e outros índices, apontados pelo documento coletivo de chamada para a Marcha em Jaguarão, revelam por si só o quanto é importante manter a mobilização cotidianamente e buscar a inserção em todos os espaços, na luta política e na legislação.

Nos outros dias do evento, que não teve o propósito de delimitar, mas sim de potencializar as atividades em prol da consciência negra, acompanhamos as discussões sobre a Lei 10.639, que pauta a inserção da história e da cultura afro na realidade escolar, encontros de mulheres, grupos de discussão sobre clubes sociais negros, agroecologia e saúde, oficina de vídeo como registro da memória, entre outras atividades. No final de semana vimos a Praça Alcides Marques se pintar de gente, com a participação do Coletivo Negada de Pelotas, Grupo de Dança Afro Monjolo, Associação de Capoeira Zumbi dos Palmares, oficinão de danças urbanas, teatro e diversas atrações culturais. Como já foi dito em outros momentos, o evento chegou ao fim, mas as lutas se renovam e continuam. Em algum dos cartazes da marcha li o trecho de uma música de autoria do compositor Paulo Romeu que diz “Contra o poder da Opressão, Zumbi também sou eu...” Sim, Zumbi somos todos nós, construindo esta nação.
 
 
Andréa Lima.
Publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional em 27/11/2013

Documento de chamada para a Marcha de Zumbi dos Palmares em Jaguarão



Patrícia Crespo lendo o documento coletivo de chamada para a Marcha de Zumbi dos Palmares em Jaguarão.
Sessão ordinária da Câmara de Vereadores.
19/11/2013
 
 
O dia 20 de novembro faz menção à morte do líder Zumbi dos Palmares, que lutou durante toda sua vida pela liberdade do povo negro. Trata-se de uma data construída pelos movimentos sociais desde a década de 1970 como forma de dar visibilidade às pautas da comunidade negra na luta contra o preconceito, o racismo e a discriminação. Também marca a tomada de consciência deste povo sobre o seu valor e o reconhecimento de que os avanços e conquistas realizadas são fruto de seu próprio trabalho, protagonismo e mobilização.

Em novembro intensificam-se as ações e debates políticos em todo o território nacional, onde as ruas são tomadas pela reivindicação dos direitos sociais, luta por cidadania e ações de reparação para a população negra, submetida neste país há mais de três séculos de escravidão.

Este processo histórico gerou uma série de mazelas enfrentadas cotidianamente, que precisam ser superadas. Não é à toa que atualmente a população carcerária do país é principalmente formada por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa escolaridade, sendo que este perfil representa um percentual de 73,83% dos detentos. As mulheres negras, por sua vez, são o principal alvo da violência doméstica, sexual e racial, agravada pela exclusão econômica.

A discriminação com a mulher negra no mercado de trabalho é visível quando se analisam dados como o salário e o número de vagas ocupadas por elas.
O salário médio da mulher negra com emprego formal é menos da metade do que o salário de um homem branco. De acordo com dados do Ministério do Trabalho, a mulher negra ganha, em média, R$ 790 e o salário do homem branco chega a R$ 1.671,00 - mais que o dobro.
No número de empregos, a discriminação também é estampada pelos números. São 498.521 empregos formais de mulheres negras contra 7,6 milhões de mulheres brancas e 11,9 milhões de homens brancos. Nos últimos meses os movimentos negros e sociais também tem chamado a atenção da mídia e das autoridades para a necessidade de desmilitarização da polícia, que no suposto combate ao crime organizado, tem matado jovens inocentes da sociedade civil, ocasionando um verdadeiro genocídio da juventude negra. Em 2010 mais de 70% dos homicídios registrados no país foram de negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos.  No Brasil a cada três assassinatos dois vitimam negros. E segundo pesquisa do IPEA em grupos com escolaridade e características socioeconomias semelhantes, a chance de um adolescente negro ser assassinado é 3,7 vezes maior em comparação aos brancos. Em 2010 mais de 70% dos homicídios registrados no país foram de negros do sexo masculino, moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. No Rio Grande do Sul, nos últimos dez anos o numero de assassinatos de negros aumentou cerca de 35% enquanto o homicídio de brancos aumentou 3%.

Outra pauta do movimento negro é com relação inserção a da população negra nas universidades, onde mesmo com a implementação da Lei de Ações Afirmativas, a população negra ainda continua ter menos acesso as universidades publicas em comparação aos brancos. Para se ter uma noção disso, em 2010 somente 16.418 estudantes concluintes do ensino superior que prestaram o Enad se declararam negros de um total de 267.823 universitários.

Em Jaguarão, nos alinhamos aos movimentos nacionais e chamamos a toda a comunidade, negros e não-negros, para a Marcha Zumbi dos Palmares, que acontecerá pela primeira vez no Dia Nacional da Consciência Negra, com a concentração à partir das 18h, no antigo Cine Regente, e deslocamento até o Clube Social 24 de Agosto, onde acontecerá a abertura da 5ª Semana da Consciência Negra. Estamos e nos manteremos mobilizados no município por políticas públicas para a saúde da população negra, pelo fim da violência contra a mulher e equidade nas condições de trabalho entre negros e não negros, pela aplicação e aprofundamento das discussões relativas à lei 10.639 nas escolas do município, por melhores condições de acesso, saúde e habitação para a comunidade Quilombola Madeira, regularização e garantia dos territórios negros, fomento às expressões religiosas de matriz afro na cidade, por mais investimentos na valorização da memória, história e cultura negra e pelo comprometimento com os projetos sociais nos bairros e periferias.

O povo negro exige respeito e participação política nos espaços decisórios, firme na luta por seus direitos sociais!

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

A retomada do Mercado Público de Jaguarão como lugar de encontros e sociabilidade


Seu Lino. Guardião do Mercado Público de Jaguarão
 
A interdição do Mercado Público Municipal, efetivada pelo Corpo de Bombeiros em meados de julho deste ano, foi o ponto derradeiro do processo de abandono do prédio que se arrasta há várias décadas. Os últimos quatro comerciantes estabelecidos no local tiveram que deixar o prédio levando seus pertences e os poucos espaços que ainda eram freqüentados fecharam as portas, um a um. A sorveteria do seu Matté, que funcionou por aproximadamente 40 anos, uma lan house, um açougue e uma pequena loja de conserto de eletroeletrônicos foram os últimos estabelecimentos a resistir.

Seu Lino, zelador e guardião do bem, anda agora sozinho pelo pátio interno do prédio, rememorando as boas histórias e seu tempo de guri. No Mercado, de tudo viu. Como era lindo aquilo lá!Quando vê um grupo de turistas logo aprochega-se para a prosa. Traz na memória as feiras, as carroças que chegavam abarrotadas de mercadorias e os clientes que se acotovelavam entre as bancas em busca do melhor preço, do melhor produto.

O Mercado Público foi construído entre os anos de 1864 e 1867 junto à antiga Praça do Comércio, a fim de escoar os produtos aportados no rio Jaguarão. Nessa época, apesar da crise pela qual passava a cidade em função das dificuldades de navegação nos períodos de estio no sangradouro da Lagoa Mirim, ainda era grande a movimentação na região da orla, onde ficavam instaladas pequenas indústrias, depósitos e armazéns.

O Mercado congregava, em especial, a venda de pescados e de produtos alimentícios, da agricultura familiar, proporcionando o contato direto entre a clientela e os produtores.

Entretanto, de forma relacionada diretamente aos problemas de um sistema maior, em que os mercados públicos tradicionais foram em grande parte deteriorados para dar espaço aos supermercados, o velho mercado de Jaguarão foi perdendo sua soberania e, aos poucos, se esvaziando. A falta de investimentos na manutenção e recuperação de sua estrutura provocou problemas graves na cobertura, nas redes elétrica e hidrossanitária, o que levou às péssimas condições do prédio como um todo.

No ano de 2010, com recursos da Consulta Popular, a Prefeitura contratou o projeto de restauração do bem, que é tombado como Patrimônio Histórico do Estado desde 1990.

Recentemente, com o anúncio dos investimentos do PAC 2 – Cidades Históricas para Jaguarão, em que a recuperação do Mercado Público foi incluída como uma das ações prioritárias, vislumbra-se concretamente uma possibilidade de mudança.  O projeto de recuperação do prédio visa sua retomada como local de encontros e sociabilidade, através da instalação de bares e restaurantes e outros comércios menores, que poderão servir para o varejo, a venda de artesanato e de produtos relacionados às múltiplas identidades da fronteira. Por estar em uma posição privilegiada, na região do antigo porto e próximo à Ponte Mauá, poderá acolher os turistas, como mais um atrativo para a cidade, e ser um espaço para as pessoas da própria comunidade, que também deverão usufruir de um lugar para um bom papo, um café ou a apreciação das belas figueiras, que compõem a paisagem. Seus usos devem ser múltiplos e oferecer possibilidades variadas como feiras itinerantes, espaços para a economia popular e solidária, mostras de arte e exposições. A população deve bem se apropriar e preservar este espaço, afinal os Mercados Públicos sempre foram e serão do povo.
 
Andréa Lima.
Publicado originalmente no Jornal Fronteira Meridional, 2013.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa?



 
 



Da Enfermaria abandonada, mal assombrada, sem serventia, da música “Cerro da Pólvora”, de autoria do nosso querido Thadeu Gomes e cantada por Hélio Ramirez, pouco se fala hoje em dia em nossa cidade.  Está em pauta o Centro de Interpretação do Pampa, cuja obra está a todo vapor em uma das regiões naturalmente mais bonitas de Jaguarão, de onde podemos ter uma visão privilegiada de boa parte de seu território, do Uruguay e do rio.

Ao longo do tempo, a Enfermaria teve vários usos. Construída entre 1880 e 1883, inicialmente atendia aos militares, oficiais e praças da cidade e da região, quando feridos ou acometidos de enfermidades. Servia, ainda, como um lugar de vigia da fronteira nacional. Nesta época não tínhamos a Ponte Mauá e, do outro lado do rio, o acampamento espanhol se desenvolvera e dera origem a Vila de Artigas, hoje Rio Branco. 

Contam que o prédio funcionou também como escola e, segundo alguns relatos, chegou a ser utilizado como prisão política, no período da ditadura militar. Alguns dizem que não, outros afirmam que sim, e eu não duvido de nada, já que as áreas de fronteira eram estratégicas para as operações militares e perseguição aos que ousaram ser contrários ao regime ditatorial. O que sei é que ainda precisamos de muita pesquisa sobre o histórico do bem e, neste processo, buscar ouvir todas as vozes, pesquisar os documentos escritos em salvaguarda nos arquivos públicos e militares (que sim, devem ser abertos!), mas registrar também a memória através das fontes orais.

Escutamos interessantes histórias, que podem ser diferentes de acordo com quem conta, sobre o saque e a depredação do prédio. Fato é que ele já tinha sido esvaziado pelos militares e lá estava, à mercê do poder das intempéries. Levaram as telhas, materiais de construção, janelas, portas, azulejos, vasos e banheiras, bem como detalhes e adornos da edificação.

E, assim, se acentuou o processo de deterioração do bem, que foi perdendo seus elementos, aos poucos, e ganhou o ar fantasmagórico de ruína. Mas abandonado, de verdade, nunca esteve. As pessoas o frequentavam para tomar mate e passear, os meninos jogavam bola, as mulheres do entorno estendiam suas roupas no local e até festas de aniversário, por incrível que pareça, eram realizadas por lá, em uma relação de intimidade da comunidade com seu patrimônio.

Mesmo assim se sabia que, sem investimentos, em pouco tempo este local iria se perder.

Na década de 80 começaram os movimentos para a recuperação da área como um atrativo turístico. Aconteceram vigílias culturais e um trabalho fundamental de sensibilização para a recuperação do patrimônio cultural foi trazido à tona pelos ativistas do Projeto Jaguar. Com as sementes plantadas, em 2009 a comunidade abraçou novamente o prédio e foi contratado um pré-projeto para a sua recuperação, ousadamente pela Prefeitura Municipal.

Com uma parceria entre IPHAN, Município e a Unipampa surgiu a proposta de se instalar no local o Centro de Interpretação do Pampa, sob gestão da Universidade.

Como tema central do projeto, a singularidade da paisagem física e humana do que se chama “Pampa”, no quadro da experiência brasileira. Projeta-se um espaço interativo, no qual os visitantes poderão vivenciar a especificidade e a riqueza da natureza, da cultura e da história irrepetível da região, que atrairá também um grande número de turistas à fronteira.

Apesar de tal propósito, tivemos notícia, nos últimos dias, de que se pretende cercar toda a área do parque, com a instalação de grades, por conta de uma exigência da Universidade.  Com o entendimento de que o projeto foi idealizado como parte de um programa político do município e com o principal objetivo de beneficiar a comunidade do bairro em que está inserido, é importante questionar o porquê destas grades e se não devemos priorizar o livre acesso a área do parque. Queremos a participação efetiva no usufruto do Centro de Interpretação do Pampa e que os investimentos no patrimônio cultural sejam não apenas vetor de desenvolvimento econômico, mas principalmente de desenvolvimento social. Por que cercar o Centro de Interpretação do Pampa? Você concorda? Já pensou sobre isso?

 Andréa Lima.
Publicado no Jornal Fronteira Meridional em 09 de outubro de 2013.